terça-feira, dezembro 27, 2005

Prenda de Natal

Em cada corpo a corpo se procura
o espírito das águas onde a alma
por vezes paira sobre a face obscura
e só depois do fim se encontra a calma

essa calma tristíssima de quem
volta a si de repente e sabe então
que enquanto um se esvai e outro se vem
ninguém é de ninguém ó solidão.

Suprema solidão que vem depois
de findo o corpo a corpo sobre a cama
quando nunca se é um mas sempre dois

e só um cigarro triste ainda é chama
e um último pudor puxa os lençóis
e a cinza cobre o amor que já não ama.

Manuel Alegre, Sete Sonetos e um Quarto
Aqui fica o meu muito obrigado a uma pessoa muito especial que me ofereceu este livro magnífico como prenda de Natal, uma prenda com muito, muito significado para mim. Obrigado, L. querida!

domingo, dezembro 25, 2005

Ausência


Ausência



Por muito tempo achei que ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, dezembro 24, 2005

Ceia de natal




Não sei o que me doeu mais
a presença dos ausentes ou a ausência dos presentes!

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Natal IV


Ao Menino Deus em metáfora de doce

Romance

- Quem quer fruta doce?
- Mostre lá! Que é isso?
- É doce coberto;
É manjar divino.
- Vejamos o doce;
Compraremos todo,
Se for todo rico.
- Venha ao portal logo;
Verá que não minto,
Pois de várias sortes
É doce infinito.
- Desculpa, minha alma.
Mas ah! Que diviso?!
Envolto em mantilhas,
Um Infante lindo!
- Pois de que se admira,
Quando este Menino
É doce coberto,
É manjar divino?
- Diga o como é doce,
Que ignoro o prodígio.
- Não sabe o mistério?
Ora vá ouvindo:
Muito antes de Santa Ana,
Teve este doce princípio,
Porque já do Salvador
Se davam muitos indícios.
Mas na Anunciada dizem
Que houve mais expresso aviso,
E logo na Encarnação
Se entrou por modo divino.
Esteve pois na Esperança
Muitos tempos escondido;
Saiu da Madre de Deus,depois às Claras foi visto.
Fazem dele estimação
As freiras com tal capricho,
Que apuram para este doce
Todos os cinco sentidos.
Afirmam que no Calvário
Terá seu termo finito,
Sendo que no Sacramento
Há-de ter novo artifício.
Que seja doce este Infante,
A razão o está pedindo,
Porque é certo que é morgado,
Sendo unigénito Filho!
Exposto ao rigor do tempo,
Quando tirita nuzinho,
Um caramelo parece
Pelo branco e pelo frio.
Tão doce é que, porque farte
Ao pecador mais faminto,
Será de pão com espécies,
Substancial doce divino.
É manjar tão soberano,
Regalo tão peregrino,
Que os espíritos levanta,
Tornando aos mortos vivos.
Tão delicioso bocado
Será de gosto infinito,
Manjar real, verdadeiro,
Manjar branco, parecido!
Que é manjar dos Anjos, dizem
Talentos mui fidedignos,
Por ser pão de ló, que aos Anjos
Foi em figura oferecido
Jerónimo Baía
In A Poesia Lírica Cultista e Conceptista

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Natal III


A todos
Feliz Natal
Bon Nadal
Joyeux Noël
Feliz Navidad
Chuk Sung Tan
Buenas Pascuas
Gezur Krislinjden
Merry Christmas
Happy Christmas
Sarbatori Fericite
Merii Kurisumasu
Kala Christougena
Gajan Kristnaskon
Frohe Weihnachten
Kung His Hsin Nien
Srozhdestvom Kristovym
S prazdnikom Rozdestva Hristova
Shenoraavor Nor Dari yev Pari Gaghand
Cestitamo Bozic
Hyvää joulua
God Jul
Buon Natale

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Natal II


Natal (Elvas)

Eu hei de m'ir ao presépio
E assentar-me num cantinho;
A ver como Deus Menino Nasceu
lá tão pobrezinho.
Ó meu Menino Jesus
Que tendes porque chorais;
Deu-me minha mãe um beijo
Choro porque me dê mais.
A Cátia veio ter comigo á entrada do carro. Mal olhei para ela e vi aquela figurinha frágil, mas pretensamente dura, do alto dos seus nove anos a pedir-me esmola, lembrei-me logo desta canção de Natal que tantas e tantas vezes, por esse mundo fora, cantei com o meu O.A.C. do coração! Ali estava uma menina, morena, linda, com uma melancolia no olhar que deixava ver tudo o que lhe ia na alma, a pedir-me uma esmola. É engraçado, sem graça nenhuma, que o pedir dela, não é bem um pedir, é um pedir, quase que exigindo, mostra uma altivez defensiva, que deixa bem ver a criança mulher que cresceu a pulso que ela é. Como já a conhecia de vista disse-lhe que não lhe dava dinheiro, mas que se ela quizesse alguma coisa da padaria de onde eu vinha que lhe dava.
-Queres um bolo e um copo de leite?-Não, obrigado, só queria mesmo pão.-respondeu ela.
Então, lá fomos lado a lado até à padaria, fiquei a saber que se chama Cátia, que tem 9 anos, 7 irmãos, mora numa fábrica abandonada onde a família acampou, que não vai à escola porque tem coisas mais importantes na vida para fazer, como cuidar da família. Cuidar da família?E, então, e a tua mãe? A minha mãe não está lá.....Porquê? É que ela está presa! Disse ela o mais naturalmente possível.
De repente pensei nos meus filhos pouco mais novos, seriam eles capazes de sobreviver sem mim? Acho que não. Cai na realidade e perguntei-lhe: -E quem trata de vocês, então? Somos nós! Nem mais nem menos! Lembrei-me então duma conversa que tive uns dias antes com alguém que me contou que as ciganas do acampamento tinham ido todas presas por tráfico. E para ali ficaram a Cátia, os seus sete irmãos e a infinidade de primos e primas entregues a si próprios.....
Entrámos, comprei o tal pão, para ela e para os irmãos e voltei a perguntar: E, agora, queres um bolo? Escolhe... Pensava eu que ela, como qualquer criança, escolheria um bolo de cores apelativas e cheio de cremes,....não, escolheu um lanche! Conclui que ela tinha mesmo fome....
Agradeceu-me, saímos e àdespedida vi que a camisola que trazia era de verão, tinha decote com ilhós, mas sem atilhos, deixando-lhe parte do peito descoberto e o frio que estava. -Ó Cátia tens que vestir uma camisola mais quente. -Não tenho. -Então, põe um atilho nessa e fecha-a, um atilho dumas sapatilhas velhas.- Não tenho, só tenho estes sapatos.....sorriu, com a doçura de um sorriso infantil e lá foi ela com a saca do pão numa mão e umas sacas com laranjas que alguém já lhe tinha dado na outra....
Assim também é Natal, Natal sem roupa, com fome, sem carinho, sem mãe e a aprender a sobreviver!!!!

terça-feira, dezembro 20, 2005

Natal I


"No tempo em que eu ainda trepava às árvores, vivia na nossa aldeia, a uns dois quilómetros da nossa casa, um homem a quem chamavam senhor Sommer. Ninguém sabia qual era o seu nome de baptismo e também ninguém sabia se ele tinha ou não uma profissão.Mas embora pouco se soubesse sobre o senhor Sommer, toda a gente o conhecia, pois andava permanentemente de um lado para o outro. Podia nevar ou cair granizo, podia estar um temporal ou chover a cântaros, podia o sol queimar ou aproximar-se um furacão, sempre o senhor Sommer peregrinava como uma alma penada, atravessando a paisagem e os sonhos do narrador..." A História do Senhor Sommer, Patrick Süskind , ed ASA

Achei este livrinho magnífico, pois, no fundo, todos conhecemos um sr. Sommer, alguém que peregrina pelas nossas vidas e que vemos, mas quase ignoramos, que morre e só passados uns dias damos pelo desparecimento! É a vida, dizemos nós, que nos leva a não darmos atenção aos outros!
Não, não é a vida, somos nós, o nosso egoísmo! Somos vítimas de nós próprios, da nossa arrogância, da nossa ganância, que nos impede de darmos algo de nós ao outros. Falar não custa, escutar custa ainda menos e, por vezes, só o facto de ouvirmos alguém é o bastante para mudar a vida dessa pessoa.....e não custa dinheiro!
Nesta quadra em que o materialismo e o consumismo imperam, em que já nem é o Menino Jesus quem dá prendas, mas o Pai Natal, choca-me ver tanta falta de disponibilidade das pessoas para se darem! Disponibilidade para dar o que é mais fácil, que é um presente, têm...mas para se darem, não, não têm! Porque isso é muito mais difícil, obriga a parár e pensar, a reconhecermos a podridão do mundo em que vivemos e isso é complicado, limpamos a nossa consciência dando o mais fácil- um presente!

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Metamorfose



E a vida resume-se a isto.......

domingo, dezembro 18, 2005

Eutanásia



Dei por mim a pensar na eutanásia...teremos nós o direito de "obrigar" alguém a viver contra a sua própria vontade? Eu sempre achei que não, que a vida só faz sentido enquanto acharmos que vale a pena vivê-la e agora tenho a prova provada que tenho razão....Todos os dias ouço as mesmas palavras repetidas mecanicamente e vezes sem conta:"...Só cá ando porque vocês querem...".
Isto martelado aos ouvidos dia após dia, mês após mês, fez-me parár e pensar. De facto deve ser muito triste e deprimente assistir ao nosso próprio declínio, aliás, penso que o pior é mesmo isto, é o reconhecimento da nossa cada vez maior incapacidade. Mais que a imagem que transmitimos para os outros, deve doer sentirmos as nossas capacidades a fugir dia a dia, ver que os gestos mais banais e mais quotidianos se vão tornando cada vez tarefas mais hercúleas...
Quando já nada motiva nem alegra, será que vale a pena fazer tudo o que está ao nosso alcance para manter cá as pessoas?
Por vezes sinto que estamos a empatar a vida dessa mesma pessoa, que a estamos a atrasar na sua caminhada para o infinito. Sim, porque acredito que a vida é uma caminhada, não sei bem para onde, mas acho que já descobri em busca de quê- felicidade.
Acho que vamos andando por este mundo e por outros talvez, na forma humana ou em qualquer outra em busca da felicidade e da paz de espírito. E assim, mais uma vez, vêm as asas, a vida não é mais que um voo contínuo em busca da felicidade, pode demorar dias, meses, anos, séculos, milénios, mas quando a atingirmos, aí sim termina, será que termina?, o nosso voo...
Pelos exemplos que tenho concluo que uns conseguem abrir asas e voar, continuando o seu caminho...outros, se calhar, agradeciam que não os empatássemos.....pois o caminho é longo.....

sábado, dezembro 17, 2005

Pombas


São as guardiãs dos meus terraços.....estão sempre alerta....ao menor movimento suspeito.....abrem asas.....

sexta-feira, dezembro 16, 2005




"....Só o que sonhamos é o que verdadeiramente somos, porque o mais, por estar realizado, pertence ao mundo e a toda a gente..."
Bernardo Soares, O Livro do Desassossego


Pronto, as asas voltaram! Que necessidade incontrolável de as abrir e voar. Voar sem rumo, só fechar os olhos, planar, sentir o ar a bater e sonhar.......É nos meus sonhos que me realizo, quem os conseguisse descobrir conhecia-me verdadeiramente....mas acho que nunca abri essa porta para ninguém...uns conhecem uns reflexos de mim, outros conhecem outros, mas ninguém, além de mim conhece a totalidade! Sou incapaz de abrir mão desses momentos tão meus de divagações, curvas, contracurvas, sim, porque o meu pensamento é muito sinuoso, até mesmo para mim!

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Futuro


"...Este silêncio de esperar inquieta-me. ..."

José Luis Peixoto, Nenhum Olhar

Esta frase é a melhor para me descrever hoje, será só hoje? Talvez não.....hoje particularmente, mas há muito tempo que tenho este estranho sentimento.....É comigo, é com os outros, é com as instituições, é com o País!!!!

quarta-feira, dezembro 14, 2005

As mãos


Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar.
Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

Manuel Alegre, O Canto e as Armas, 1967

terça-feira, dezembro 13, 2005

Desarriscar

Fui hoje a uma repartição pública e ouvi esta palavra- desarriscar- ou melhor a expressão "...desarrisque aí, se faz favor...". Há quanto tempo não ouvia isto! Pensava até que tinha caído em desuso!
Fiquei a pensar na incoerência que o termo encerra, como é possível desarriscar? Apagar sim, mas riscar por cima não apaga a escrita inicial! Depois pensei no paralelismo entre esta palavra e a vida: também nós não podemos desarriscar nada... Vamos escrevendo a vida dia-a-dia e, por muito que queiramos, não podemos nem desarriscar nem apagar nada! Nem tão pouco reescrever! Podemos, ou pensamos, por vezes, poder reescrever a vida, dizemos que aprendemos com os nossos erros, mas no fundo o que está escrito até á data é inalterável e inabalável, embora esteja guardado na sua cápsula do tempo- pode ser passado, mas continua lá, foi escrito daquela forma e nada o desarrisca!

segunda-feira, dezembro 12, 2005


"....Porque só na ilusão da liberdade
A liberdade existe...."
Ricardo Reis

domingo, dezembro 11, 2005

Asas




Asas são para voar......
Este blog pretende ser o meu fiel companheiro dos meus voos diários.