quarta-feira, dezembro 21, 2005

Natal II


Natal (Elvas)

Eu hei de m'ir ao presépio
E assentar-me num cantinho;
A ver como Deus Menino Nasceu
lá tão pobrezinho.
Ó meu Menino Jesus
Que tendes porque chorais;
Deu-me minha mãe um beijo
Choro porque me dê mais.
A Cátia veio ter comigo á entrada do carro. Mal olhei para ela e vi aquela figurinha frágil, mas pretensamente dura, do alto dos seus nove anos a pedir-me esmola, lembrei-me logo desta canção de Natal que tantas e tantas vezes, por esse mundo fora, cantei com o meu O.A.C. do coração! Ali estava uma menina, morena, linda, com uma melancolia no olhar que deixava ver tudo o que lhe ia na alma, a pedir-me uma esmola. É engraçado, sem graça nenhuma, que o pedir dela, não é bem um pedir, é um pedir, quase que exigindo, mostra uma altivez defensiva, que deixa bem ver a criança mulher que cresceu a pulso que ela é. Como já a conhecia de vista disse-lhe que não lhe dava dinheiro, mas que se ela quizesse alguma coisa da padaria de onde eu vinha que lhe dava.
-Queres um bolo e um copo de leite?-Não, obrigado, só queria mesmo pão.-respondeu ela.
Então, lá fomos lado a lado até à padaria, fiquei a saber que se chama Cátia, que tem 9 anos, 7 irmãos, mora numa fábrica abandonada onde a família acampou, que não vai à escola porque tem coisas mais importantes na vida para fazer, como cuidar da família. Cuidar da família?E, então, e a tua mãe? A minha mãe não está lá.....Porquê? É que ela está presa! Disse ela o mais naturalmente possível.
De repente pensei nos meus filhos pouco mais novos, seriam eles capazes de sobreviver sem mim? Acho que não. Cai na realidade e perguntei-lhe: -E quem trata de vocês, então? Somos nós! Nem mais nem menos! Lembrei-me então duma conversa que tive uns dias antes com alguém que me contou que as ciganas do acampamento tinham ido todas presas por tráfico. E para ali ficaram a Cátia, os seus sete irmãos e a infinidade de primos e primas entregues a si próprios.....
Entrámos, comprei o tal pão, para ela e para os irmãos e voltei a perguntar: E, agora, queres um bolo? Escolhe... Pensava eu que ela, como qualquer criança, escolheria um bolo de cores apelativas e cheio de cremes,....não, escolheu um lanche! Conclui que ela tinha mesmo fome....
Agradeceu-me, saímos e àdespedida vi que a camisola que trazia era de verão, tinha decote com ilhós, mas sem atilhos, deixando-lhe parte do peito descoberto e o frio que estava. -Ó Cátia tens que vestir uma camisola mais quente. -Não tenho. -Então, põe um atilho nessa e fecha-a, um atilho dumas sapatilhas velhas.- Não tenho, só tenho estes sapatos.....sorriu, com a doçura de um sorriso infantil e lá foi ela com a saca do pão numa mão e umas sacas com laranjas que alguém já lhe tinha dado na outra....
Assim também é Natal, Natal sem roupa, com fome, sem carinho, sem mãe e a aprender a sobreviver!!!!